Um guia para o Leon (e você) resolver seus problemas no Linux

Um guia para o Leon (e você) resolver seus problemas no Linux

Quando alguém grande da internet resolve testar Linux em público, sempre surgem duas coisas ao mesmo tempo: uma enxurrada de opiniões e um monte de dúvidas. Foi exatamente o que aconteceu com o Leon, do canal Coisa de Nerd, nas últimas semanas. Ele instalou Linux, começou a usar de verdade e esbarrou em problemas que são bem semelhantes aos de muitas outras pessoas que estao fazendo essa transição ou pensa em fazer isso em breve.

Em vez de só olhar para esses perrengues como “motivos para não usar Linux”, vale muito mais a pena tratá-los como um mapa de pedras pelo caminho e, a partir daí, entender o que dá para resolver. Neste artigo, vamos passar por cinco temas fundamentais que apareceram nas experiências do Leon: o DaVinci Resolve e seus codecs de vídeo, o teclado e o famigerado Ç, Secure Boot em dual boot, trabalho com vetores no Resolve e o desempenho de placas NVIDIA no Linux.

O contexto: Pop!_OS 24.04 LTS Beta e primeiras impressões

Pelo que foi mostrado, o Leon está usando o Pop!_OS 24.04 LTS Beta. Isso significa que ele escolheu uma versão de testes, ainda em refinamento, não uma edição final e estável. Versões beta existem justamente para identificar e corrigir problemas antes do lançamento oficial, então alguns bugs e comportamentos estranhos são esperados.

Mesmo assim, as principais dificuldades relatadas não têm tanta relação com a fase beta, e sim com temas que afetam qualquer pessoa tentando usar Linux no dia a dia para trabalhar, jogar ou produzir conteúdo. Em outras palavras, são dúvidas que continuam válidas mesmo em versões estáveis, em outras distros e em outros cenários.

DaVinci Resolve no Linux: instalador, dependências e expectativas

Um dos primeiros pontos levantados foi a instalação do DaVinci Resolve no Linux. O software da Blackmagic Design é um dos editores de vídeo mais populares do mercado, muito usado para edição, correção de cor e efeitos. No Windows e no macOS, a experiência de instalação é basicamente clicar duas ou três vezes em um instalador gráfico e pronto. No Linux, a história é um pouco diferente.

A Blackmagic oferece oficialmente o DaVinci Resolve para Linux, mas em vez de um pacote adaptado para cada distro, o que existe é um instalador genérico em formato “.run”. Esse arquivo se parece com um “.exe” do Windows em conceito, só que, ao ser executado, ele espera que o sistema já tenha um conjunto específico de bibliotecas e componentes instalados. Se isso não acontecer, surgem as mensagens sobre “dependências ausentes”.

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Essas dependências são pedaços de software que o Resolve precisa para funcionar, como codecs, bibliotecas gráficas e outros componentes de sistema. O problema não é exatamente técnico, e sim de usabilidade. Para quem está começando, ver uma tela dizendo que “faltam pacotes x, y e z” assusta, especialmente se a única solução sugerida pelos tutoriais é “abrir o terminal e colar este comando gigante”.

Quando se olha com calma, o processo de como instalar o DaVinci Resolve no Linux não é tão assustador quanto parece. Em geral, basta copiar o nome das dependências diretamente da caixa de erro, abrir o terminal e digitar sudo apt install (e aqui colar as dependências). É literalmente copiar e colar. Porém, é impossível negar que isso poderia ser bem mais amigável, especialmente em distros voltadas para o usuário final.

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Nobara, Linux Toys e caminhos para facilitar a instalação

Por causa dessa fricção com o instalador oficial, a comunidade criou várias soluções para tornar o processo mais simples. Uma delas é o Nobara, uma distro baseada em Fedora que vem com vários ajustes voltados para jogos e produção de conteúdo. No caso do Resolve, o Nobara já traz scripts e pacotes preparados para eliminar boa parte da dor de cabeça com dependências.

Outro projeto interessante é o Linux Toys, uma iniciativa brasileira que funciona como um “PowerToys para Linux”. A ideia é reunir ferramentas por vezes avançadas e úteis do dia a dia em uma interface amigável, incluindo assistentes que ajudam a instalar programas mais complexos ou configurar recursos sem precisar pesquisar diferentes comandos. É exatamente o tipo de solução que preenche o buraco deixado por empresas que não dão tanta atenção assim à experiência de instalação no Linux.

Mesmo assim, o ideal seria que a própria Blackmagic oferecesse um pacote mais integrado, por exemplo no formato .deb, .rpm, Flatpak ou algo semelhante. O fato de um editor de vídeo profissional ainda exigir esse tipo de contorno mostra que parte do problema não é “o Linux”, e sim o nível de cuidado que o desenvolvedor coloca nessa plataforma específica. No fim, a experiência poderia ser tão simples quanto instalar no Windows, se houvesse vontade de polir esse processo.

Codecs, licenças e por que arquivos não abrem no Resolve

Instalar o DaVinci Resolve é só metade da história. O Leon também comentou sobre a ausência de suporte a alguns codecs na versão Linux do programa. Esse é um ponto delicado, que mistura questões técnicas com licenciamento e custo.

“Codec” é a combinação de “coder” e “decoder”. Em termos práticos, é o componente responsável por comprimir e descomprimir áudio e vídeo. Formatos como H.264, H.265, AAC e outros tão comuns em câmeras, celulares e plataformas de streaming não são simplesmente “formatos”, eles vêm acompanhados de patentes e exigem o pagamento de royalties para uso comercial em muitos casos.

No Windows e no macOS, Microsoft e Apple licenciam vários desses codecs diretamente. Isso significa que o sistema operacional já tem o direito de usar essas tecnologias, e o DaVinci Resolve apenas se aproveita desse ecossistema. Quando o programa é executado em Linux, o cenário é outro. Não existe uma empresa única “dona do Linux” pagando licenças globais, e a maioria das distros é distribuída gratuitamente. Com isso, a versão gratuita do Resolve para Linux precisa se restringir aos codecs livres para evitar complicações legais.

A versão paga, o DaVinci Resolve Studio, oferece suporte a mais codecs no Linux justamente porque a Blackmagic pode embutir o custo das licenças no valor do software. Mesmo assim, não é garantia de compatibilidade com todos os formatos gravados por todos os dispositivos do mercado. Por isso, alguns arquivos simplesmente não abrem e precisam ser convertidos antes da edição.

Apesar dessas limitações, existem vários caminhos para reduzir o atrito com codecs no Linux. Alguns deles:

  • Utilizar o DaVinci Resolve Studio, quando o orçamento permitir, para ampliar a compatibilidade nativa com formatos de câmera;
  • Configurar a câmera ou o OBS para gravar diretamente em codecs totalmente suportados no Linux, como alguns perfis específicos de H.264, ProRes, DNxHD ou outros formatos intermediários mais “amigos” do Resolve;
  • Converter vídeos problemáticos antes de editá-los, usando ferramentas como o HandBrake, que permitem escolher exatamente o codec e o contêiner mais adequados.

Muitos fluxos de trabalho profissionais já incluem uma etapa de transcodificação, independentemente do sistema operacional, justamente para padronizar o material e evitar surpresas no meio da edição. No Linux, esse cuidado se torna ainda mais importante.

Vale lembrar também que o YouTube sempre recodifica os vídeos enviados, seja em H.264, seja em outros formatos. As recomendações da plataforma ajudam, mas no fim das contas o arquivo original será convertido internamente, muitas vezes para codecs como VP9 ou AV1, que priorizam compressão e compatibilidade. Ou seja, o foco de quem edita deve ser encontrar um formato que equilibre qualidade, tamanho de arquivo e compatibilidade com o editor específico.

O drama do Ç e os layouts de teclado

Saindo do universo dos codecs e indo para algo bem mais cotidiano, mas igualmente frustrante: o problema do Ç. Quem escreve em português em um teclado com layout em inglês quase sempre já passou por isso. O Leon comentou a dificuldade para digitar a cedilha usando a combinação “acento agudo + C”, que é bastante comum em layouts internacionais.

A raiz do problema está na configuração do layout de teclado. Mesmo em um sistema definido como “pt-BR”, é possível que o layout ativo seja “English (US)” ou “English International” sem teclas mortas, o que muda completamente o comportamento dos acentos. A solução é abrir as configurações de teclado no ambiente gráfico, adicionar um novo método de entrada e escolher uma variante que suporte esse padrão, como “English International with dead keys” ou diretamente um layout português ABNT2 se preferir usar a tecla Ç dedicada.

As chamadas “teclas mortas” (dead keys) são aquelas que, quando pressionadas, não geram imediatamente um caractere visível, mas aguardam a próxima tecla para compor um símbolo, como á, â, ã ou ç. Ao pressionar o acento agudo e, em seguida, a letra C, o sistema entende que deve formar o Ç. Sem esse tipo de layout, o mesmo atalho pode simplesmente gerar caracteres separados ou se comportar de forma imprevisível.

Outra opção curiosa, mas eficiente, é manter o layout ABNT configurado mesmo em teclados físicos que não têm a tecla Ç desenhada. Para quem já aprendeu a digitar “de cabeça”, a memória muscular resolve o problema, e a tecla que exibe “;” ou outro símbolo passa a produzir a cedilha. E, para quem alterna entre múltiplos layouts, atalhos como Super (ou tecla Windows) mais Espaço costumam permitir a troca rápida entre eles.

Secure Boot, dual boot e por que isso complica

Outro ponto importante mencionado foi o Secure Boot. O recurso surgiu como uma forma de aumentar a segurança no processo de inicialização, impedindo que sistemas não autorizados ou malwares se aproveitem da fase em que o firmware carrega o sistema operacional. No mundo Windows, o Secure Boot é um pré-requisito para o Windows 11, o que significa que quase todo PC atual sai de fábrica com ele ativado.

Para algumas distros Linux, isso não é um problema. Sistemas como o Linux Mint, Ubuntu, Zorin OS e outras variantes já oferecem suporte integrado, com bootloaders assinados que funcionam bem com Secure Boot ligado. Em outras, como o Pop!_OS, o suporte ainda é limitado ou exige passos adicionais, como desativar o recurso manualmente ou adicionar chaves personalizadas.

Quando se tenta fazer dual boot entre Windows 11 e uma distro sem suporte robusto ao Secure Boot, o resultado costuma ser dor de cabeça. O Windows espera que o recurso esteja ativo, a outra distro prefere que ele esteja desligado, e o usuário precisa ficar alternando configurações na BIOS ou caçando soluções intermediárias. Por isso, escolher uma distro com bom suporte a Secure Boot ajuda muito quem quer conviver com os dois sistemas na mesma máquina.

Vetores, QGIS, Inkscape e DaVinci Resolve

Entre as dúvidas levantadas, apareceu também um fluxo de trabalho mais específico, que envolve QGIS, edição vetorial e DaVinci Resolve. A ideia é usar o QGIS para gerar mapas, editar esses mapas em um programa de vetores e, por fim, animar os elementos no Resolve, preservando a qualidade vetorial.

À primeira vista, pode parecer que isso “não funciona no Linux” ou que o Resolve não lida bem com vetores no Fusion. Na prática, o caminho é um pouco trabalhoso, mas está longe de ser impossível. O QGIS tem versões estáveis para Linux e permite exportar mapas em formato vetorial. O Inkscape, por sua vez, é um editor SVG maduro, também disponível nativamente em todas as distros.

Um fluxo possível é o seguinte: exportar o mapa do QGIS em um formato vetorial compatível, abrir o arquivo no Inkscape, editar os elementos (cores, espessuras, textos) e, depois, exportar apenas os objetos selecionados como “Plain SVG”. Esse detalhe do “Plain SVG” é importante porque reduz a chance de o arquivo conter extensões específicas que o Resolve não entenda bem.

No DaVinci Resolve, basta acessar a aba Fusion, ir ao menu de importação e escolher “SVG”. O Fusion converte cada elemento vetorial em nós que podem ser animados individualmente. Como se trata de geometria vetorial, é possível aumentar o tamanho, modificar curvas, alterar cores e trabalhar com zoom sem perda de definição, algo muito útil para animações de mapas, gráficos e infográficos.

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Claro, isso não significa que qualquer fluxo complexo de QGIS vai funcionar perfeitamente logo de cara. Ainda é necessário testar, ajustar, simplificar formas exageradamente detalhadas e entender as limitações específicas do projeto. Mas é um engano dizer que “não dá para trabalhar com vetores no Resolve no Linux”.

NVIDIA no Linux: benchmarks, expectativas e realidade

Por fim, chegamos a um tema que sempre gera discussões acaloradas: desempenho da NVIDIA no Linux. Em um dos conteúdos usados como referência pelo Leon, foi citado um vídeo com benchmarks comparando o desempenho em jogos no Windows e no Linux com placas da fabricante, indicando uma vantagem para o sistema da Microsoft.

Benchmarks são úteis como referência, mas sempre precisam ser interpretados com cautela. O resultado final depende de um conjunto enorme de fatores: modelo exato da GPU, versão do driver, versão do kernel, distro utilizada, temperatura ambiente, sistema de refrigeração, resolução da tela, quantidade de monitores conectados, ordem em que os testes foram executados, além, é claro, das particularidades de cada hardware e  jogo.

No universo Linux, ainda entra em cena a camada de compatibilidade para jogos de Windows, como o Proton e o Wine, e a forma como cada título específico foi otimizado. Tudo isso pode fazer uma diferença significativa nos números. Em alguns cenários, o Windows realmente leva vantagem. Em outros, as diferenças são pequenas ou até inexistentes. Há inclusive casos em que o Linux consegue ficar à frente, dependendo da configuração.

Testes amplos feitos com múltiplas distros, GPUs diferentes e diversos jogos mostram exatamente isso: não existe uma única resposta. Em muitos casos, uma placa NVIDIA no Linux oferece experiência muito parecida com a do Windows, especialmente para quem está jogando em 1080p ou 1440p com um hardware razoavelmente atual.

AMD, Intel, NVIDIA e o futuro dos drivers

Algo que o próprio Leon destacou, e que merece ser reforçado, é que AMD e Intel têm uma integração mais direta com o Linux quando o assunto é drivers gráficos. Boa parte do código está dentro do próprio kernel ou em projetos de código aberto que trabalham em conjunto com a comunidade. Isso simplifica a vida das distros e reduz o atrito na hora de suportar novos chips.

A NVIDIA, historicamente, sempre seguiu o caminho de drivers proprietários, com menos abertura. Isso trouxe vantagens em alguns aspectos de desempenho, mas também criou uma distância maior em relação ao ecossistema open source. Nos últimos anos, porém, a empresa vem mudando um pouco essa postura. Novas versões de driver têm trazido correções específicas para jogos no Linux, otimizações para tecnologias como Wayland e melhorias em áreas como Vulkan e CUDA.

Além disso, a abertura parcial de partes do stack de drivers e o trabalho com a comunidade indicam que a empresa enxerga o mercado Linux como algo estratégico, especialmente em servidores, data centers e IA. Essa atenção acaba beneficiando, ainda que de forma indireta, o usuário doméstico que quer jogar ou editar vídeos com uma GPU NVIDIA no desktop.

Nada disso apaga as dificuldades que ainda existem, especialmente em algumas distros ou cenários específicos, mas ajuda a pintar um quadro mais equilibrado: não é perfeito, porém está longe de ser o desastre que muitos imaginam. Na prática, vale testar os jogos e ferramentas que realmente importam em cada caso em vez de confiar em um benchmark isolado.

Um bom momento para aprender Linux

Apesar dos desafios, um dos principais motivos que impediam muitas pessoas de trocar o Windows pelo Linux está ficando cada vez menor: a compatibilidade com jogos. Graças a projetos como Proton e a melhorias contínuas em drivers e ferramentas, a lista de títulos jogáveis cresce constantemente, e a experiência geral está em um patamar que, alguns anos atrás, parecia improvável.

Para quem se viu nas dúvidas do Leon, o momento atual é ideal para aprender a usar Linux sem a pressão de “nunca mais tocar no Windows”. É possível começar testando em uma segunda máquina, em dual boot bem planejado ou até em uma máquina virtual, explorando aos poucos editores de vídeo, ferramentas de produtividade e, claro, bibliotecas de jogos via Steam, GOG e outras plataformas.

Com boa informação, alguma paciência e uma comunidade gigantesca produzindo documentação, tutoriais e ferramentas, cada uma dessas dores iniciais se transforma em degrau. E, quanto mais criadores grandes compartilham suas experiências com Linux, mais claro fica que o sistema está pronto para ser levado a sério, mesmo quando surgem dúvidas, bugs e limitações pelo caminho.

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