A Autoridade Italiana de Concorrência (AGCM) aplicou uma multa de 98,6 milhões de euros (cerca de 640 milhões de reais) à Apple, acusando a gigante tecnológica de utilizar sua política de privacidade, o App Tracking Transparency (ATT), para abusar de sua posição dominante no mercado de publicidade em aplicativos móveis.
A decisão, resultado de uma investigação de dois anos em coordenação com a Comissão Europeia e autoridades de proteção de dados, coloca um holofote sobre o delicado equilíbrio entre a proteção da privacidade do usuário e a manutenção de um mercado digital competitivo.
A “solicitação dupla de consentimento”
Lançado em 2021 com o iOS 14.5, o ATT é uma estrutura que exige que os aplicativos solicitem explicitamente a permissão do usuário para rastrear sua atividade entre outros aplicativos e sites para fins de publicidade direcionada. Embora a Apple apresente o ATT como um pilar de privacidade, a AGCM identificou uma aplicação desigual e restritiva.
O principal argumento da autoridade italiana é que a implementação do ATT cria um processo excessivamente oneroso e desproporcional para desenvolvedores terceiros. Isso ocorre porque o prompt padrão do ATT, exibido por todos os aplicativos que não são da Apple, não atende aos requisitos legais completos do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) da UE. Consequentemente, os desenvolvedores são forçados a criar e exibir seu próprio mecanismo de consentimento em conformidade com a lei.
Como resultado, em território europeu há uma “solicitação dupla de consentimento” para a mesma finalidade: primeiro, a caixa de diálogo do ATT da Apple e, em seguida, o prompt personalizado do desenvolvedor. A AGCM argumenta que esse fardo adicional foi imposto unilateralmente pela Apple, que isenta seus próprios aplicativos e serviços desse processo duplo. A autoridade concluiu que a Apple poderia ter alcançado o mesmo nível de proteção de privacidade por meio de meios menos restritivos à concorrência, permitindo que os desenvolvedores obtivessem o consentimento válido em uma única etapa.
Impacto no mercado e resposta da Apple
A multa é consequência da análise de que essa desvantagem competitiva causou danos reais. Dados do usuário são um insumo crítico para a publicidade online personalizada. Ao dificultar a coleta desses dados para terceiros, o ATT supostamente prejudicou desenvolvedores, anunciantes e plataformas de publicidade, especialmente operadores menores com acesso limitado. A investigação apontou uma redução nas taxas de consentimento e nas receitas publicitárias para terceiros após a introdução do ATT.
Paralelamente, a AGCM observou que a Apple se beneficiou financeiramente da situação, tanto por meio de comissões do App Store quanto pelo crescimento de seu próprio serviço de publicidade (Apple Search Ads), que opera sob regras menos rigorosas.
Em resposta, a Apple afirmou que recorrerá da decisão e continuará a “defender fortes proteções de privacidade”. A empresa argumenta que as regras do ATT “se aplicam igualmente a todos os desenvolvedores, incluindo a Apple”, e que a estrutura foi “abraçada por nossos clientes e elogiada por defensores da privacidade em todo o mundo”. A Apple acusa a AGCM de desconsiderar as proteções de privacidade em favor de empresas de publicidade e corretores de dados.
A ação italiana não é um caso isolado. Em abril de 2025, a autoridade antitruste francesa aplicou uma multa de 150 milhões de euros à Apple por razões semelhantes. Investigações também estão em andamento na Polônia, e a Apple já ajustou o prompt do ATT na Alemanha após preocupações regulatórias.
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