Steam Machine traz a liberdade do Linux para o mundo dos videogames

Steam Machine traz a liberdade do Linux para o mundo dos videogames

A Valve decidiu provar ao mundo que sabe contar até três e apresentou uma nova geração de hardwares para 2026: um novo Steam Controller, o Steam Frame e, principalmente, o retorno das Steam Machines. Sozinhos, esses produtos já chamam atenção. Em conjunto, formam algo bem maior: um recado direto para Microsoft e Sony sobre como é possível tratar o jogador com mais respeito, transparência e liberdade.

As novas Steam Machines, em particular, passam quase aquela sensação de “isso aqui está errado”, mas pelo melhor motivo possível. É tão diferente do padrão atual de consoles fechados, serviços empurrados à força e decisões tomadas só pensando em investidores, que parece até estranho receber um produto pensado para o usuário primeiro.

A grande questão é entender o que exatamente a Valve está fazendo, como esses dispositivos se conectam entre si e por que essa estratégia pode mudar como enxergamos Xbox, PlayStation, Windows e o próprio Linux no universo dos games.

A nova família de hardwares da Valve

Antes de mergulhar no Steam Machine, vale recapitular rapidamente os três pilares desse novo ciclo de hardware.

Novo Steam Controller: o “controle de Steam Deck” para tudo

O novo Steam Controller chega com o mesmo nome do controle lançado lá atrás, na primeira leva de Steam Machines, mas o projeto é outro. A inspiração agora é o Steam Deck: basicamente é o layout do portátil da Valve, só que sem a tela.

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Isso significa dois touchpads, além dos analógicos tradicionais, o que abre espaço para jogar títulos que nunca foram pensados para controles, como jogos de estratégia ou experiências muito dependentes de mouse. Ele funciona em Linux, Windows e macOS, pode ser pareado via Bluetooth ou USB e ainda traz o “puck” magnético, que serve tanto para recarga quanto para oferecer uma conexão sem fio própria, mais estável e com latência baixa.

Na prática, é o controle universal do ecossistema Valve: serve para o PC, para o Steam Deck, para o Steam Frame e para o Steam Machine.

Steam Frame: realidade virtual e ARM no Linux

O Steam Frame é um headset de realidade virtual que, por si só, já seria uma notícia grande. Mas o que chama atenção é o que existe por trás do visor.

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O dispositivo rodo SteamOS em cima de um processador Snapdragon, com arquitetura ARM, e ainda assim consegue executar jogos x86 de Windows usando Proton em conjunto com o FEX, um projeto open source de tradução entre arquiteturas.

Além disso, há a perspectiva de rodar apps de Android por sideload de APKs, aproveitando o catálogo de experiências VR que já existe na plataforma móvel. É uma mistura interessante de PC, console, dispositivo móvel e realidade virtual, tudo orbitando ao redor do mesmo ecossistema.

Novo Steam Machine: o “GabeCube” para a sala de estar

A estrela do trio, porém, é a novo Steam Machine. Um PC em formato de console, pensado para ficar na sala, ao lado da TV, seguindo a mesma filosofia do Steam Deck: hardware AMD semi-customizado, SteamOS otimizado para jogos, Proton como camada de compatibilidade e uma integração afinada com o Steam.

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A configuração base inclui 16 GB de RAM, 8 GB de VRAM e opções que vão até 2 TB de armazenamento, com direito a um slot para microSD rápido. Segundo a própria Valve, com uso de FSR a máquina deve conseguir rodar praticamente todo o catálogo do Steam em 4K. Sem FSR, é um equipamento muito confortável para 1080p, em muitos jogos.

Tudo isso em um cubo compacto na faixa de 15 a 16 centímetros de cada lado, pesando cerca de 2,6 kg. Não demorou para o apelido “GabeCube” pegar.

Console, PC ou algo no meio do caminho?

O ponto mais interessante do Steam Machine não está só na ficha técnica, e sim na forma como a Valve decide apresentá-la. Por um lado, o aparelho oferece exatamente o que se espera de um console: ligar, selecionar um jogo e jogar. Por outro, a empresa faz questão de repetir que, no fim das contas, aquilo é um PC completo.

Isso significa que, se a pessoa quiser, pode formatar a máquina, remover o SteamOS e instalar Windows ou qualquer outra distribuição Linux. Nada impede o uso de outras lojas, launchers, emuladores ou aplicativos que não tenham relação direta com games. É possível colocar a máquina em cima da mesa, plugar um monitor, usar teclado e mouse e transformar o “console” em PC de trabalho, estação de edição ou servidor doméstico.

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A otimização de fábrica é pensada para o SteamOS, claro. Assim como no Steam Deck, a melhor experiência tende a aparecer quando o sistema da Valve está no comando. A diferença é que isso não é uma prisão. Se o usuário preferir outra abordagem, tem liberdade para seguir por caminhos alternativos.

Essa filosofia contrasta diretamente como Xbox e PlayStation operam hoje. Consoles são cada vez mais amarrados a serviços, assinaturas e ambientes fechados, com pouca ou nenhuma flexibilidade real.

Respeito ao consumidor em detalhes que ninguém está acostumado

É aqui que surge aquela sensação de “isso é tão justo que parece errado”. Após anos lidando com ecossistemas trancados, assinatura paga para jogar online, biblioteca de jogos presa a uma geração específica de console e decisões de design que colocam o usuário em segundo plano, receber um hardware que faz o oposto é quase chocante.

Alguns pontos merecem destaque:

  • A biblioteca existente do Steam já está lá. Não é necessário recomprar tudo para uma nova plataforma;
  • O aparelho não limita o jogador o Steam. Outras lojas e launchers podem ser instalados;
  • Não há cobrança separada para jogar online, algo que virou padrão em consoles tradicionais;
  • O hardware não é descartável. Quando parar de ser suficiente para jogos pesados, ainda pode ser reciclado como PC geral, emulador, servidor doméstico ou máquina para títulos mais leves;
  • Se o suporte seguir a mesma linha do Steam Deck, será possível adquirir peças de reposição ou até fazer alguns upgrades de forma relativamente simples, algo raro em consoles proprietários.

Em um mercado onde “não ser trancado” já parece benefício, o Steam Machine nos lembra do que deveria ser o básico: o consumidor deveria ter liberdade para usar o hardware como quiser.

SteamOS, Linux e o xeque estratégico

O Steam Machine é uma peça de uma estratégia muito mais ampla da Valve com o SteamOS e Linux, que começou lá atrás, com as primeiras Steam Machines e foi ganhando corpo com o Steam Deck. A diferença agora é que o ecossistema está amadurecido. O Proton transformou a compatibilidade de jogos, drivers gráficos evoluíram, o suporte a Vulkan está consolidado e o próprio público passou a enxergar o Linux como uma plataforma viável para games. O que antes parecia um experimento virou produto de massa.

Ao colocar SteamOS no Steam Deck, no Steam Frame e no Steam Machine, a Valve faz três coisas ao mesmo tempo:

  • Fortalece a base de usuários jogando em Linux, pressionando desenvolvedores de jogos e empresas de anti-cheat a levarem a plataforma a sério;
  • Cria um modelo de “console aberto” que pode ser copiado por outros fabricantes, ampliando ainda mais a presença de Linux no hardware de consumo;
  • Reduz a dependência de Windows para games, ganhando poder de negociação em um mercado historicamente dominado pela Microsoft.

Não é exagero dizer que essa combinação coloca Microsoft e Sony em uma posição desconfortável. Não porque o Steam Machine vá “matar” Xbox ou PlayStation de um dia para o outro, e sim porque ela mostra que existe outra forma de fazer as coisas.

Mesmo que o Steam Machine não se torne um campeão absoluto de vendas, o impacto conceitual já é grande. Quando jogadores veem um dispositivo que combina a simplicidade de um console com a liberdade de um PC, é natural começar a questionar algumas regras aceitas como “normais”:

  • Por que pagar assinatura para ter acesso ao modo online até mesmo em jogos como serviço?
  • Por que não conseguir usar outros serviços de jogos em um aparelho que, tecnicamente, teria poder de sobra para isso?
  • Por que não poder reaproveitar o hardware para outras funções quando a geração “acaba”?

A Valve está apenas aplicando princípios clássicos do PC em um formato de console e adicionando um sistema otimizado para jogos no meio. O resto é consequência.

Para Microsoft e Sony, isso acende um alerta. Se o público começar a ver o Steam Machine como referência de experiência justa, a pressão para rever as práticas atuais aumenta. Mesmo que as empresas não abracem o Linux, podem passar a flexibilizar seus ecossistemas, melhorar políticas de compatibilidade e revisar modelos de negócios que irritam a base de usuários.

Steam Machine como modelo de referência para o mercado

Outro aspecto importante é que o Steam Machine não precisa ser fabricada apenas pela Valve. Assim como o Steam Deck se tornou referência para uma onda de portáteis (como o Legion Go da Lenovo), a nova máquina pode servir como base para uma família inteira de “consoles-PC” feitos por terceiros.

Isso cria uma situação curiosa: marcas interessadas em disputar espaço com Xbox e PlayStation podem apostar no SteamOS, Proton e em todo o trabalho de compatibilidade que a Valve já fez, sem precisar reinventar a roda. Basta focar em design industrial, custo-benefício de hardware e suporte local, enquanto o sistema operacional e a loja vêm prontos.

Do ponto de vista do Linux, esse é um ótimo cenário. Mais fabricantes adotando SteamOS significa mais usuários, mais relatórios de bugs, mais atenção de desenvolvedores de jogos e, inevitavelmente, mais pressão sobre empresas de anti-cheat que ainda tratam a plataforma como cidadã de segunda classe.

O papel do anti-cheat e dos serviços de streaming

Falando em anti-cheat, esse é um dos últimos grandes bloqueios que impedem o Linux de ser uma plataforma verdadeiramente universal para jogos competitivos. Existem empresas que, na prática, consideram mais aceitável bloquear o Linux completamente do que investir em suporte adequado.

Um aumento significativo no número de jogadores no SteamOS, através do Steam Deck, Steam Frame e Steam Machine, muda a matemática. Quando uma massa crítica de usuários passa a existir em uma plataforma, ignorá-la deixa de ser uma decisão técnica e passa a ser uma escolha comercial arriscada.

Ao mesmo tempo, serviços como Xbox Cloud Gaming e GeForce Now já funcionam em Linux via navegador ou apps dedicados. Em umo Steam Machine, isso significa que o aparelho pode ser, ao mesmo tempo, console local e terminal de streaming, encaixando títulos pesados via nuvem e jogos otimizados rodando diretamente no hardware.

É um híbrido que aproveita a tendência do mercado sem obrigar o jogador a abrir mão da posse do próprio equipamento.

Mesmo para quem não pretende colocar umo Steam Machine na sala, a movimentação da Valve é relevante. O simples fato de o SteamOS existir, ser atualizado e ser pensado como sistema de games abre espaço para outro tipo de uso: instalar o sistema em hardware próprio.

Para quem tem um PC parado, um desktop antigo ou uma máquina focada só em jogos, eventualmente poder instalar o SteamOS ou alguma outra distro Linux similar como o Bazzite, pode ser uma maneira relativamente simples de criar uma “Steam Machine caseira”. Sem bloatware, sem serviços desnecessários rodando em segundo plano, sem assistentes invasivos. Um sistema que liga direto na biblioteca de jogos e que foi planejado para isso.

Mesmo que não venda milhões, a ideia está no ar

Talvez as novas Steam Machines não batam recordes de vendas. Talvez o público prefira continuar com Xbox, PlayStation ou PCs tradicionais. Ainda assim, uma barreira importante já foi quebrada: ficou claro que é possível oferecer um aparelho de sala baseado em Linux, com cara de console, desempenho competitivo e uma filosofia aberta.

Ideias não se desinventam. Uma vez que as pessoas enxergam um modelo mais justo de relacionamento entre fabricante e usuário, fica muito difícil aceitar menos do que isso no futuro. Se a Valve insistir nessa direção por tempo suficiente, Microsoft e Sony terão dois caminhos: ignorar e correr o risco de ficar para trás em percepção de valor, ou aprender a lição e elevar o padrão dos próprios produtos e serviços.

Ficou empolgado e quer se antecipar? Conheça o Bazzite, um sistema que transforma seu PC em algo similar ao que deverá ser o Steam Machine!