Se você já abriu um arquivo no terminal, caiu dentro do Vim sem querer e sentiu que tinha sido condenado à prisão perpétua, respira: dá pra sair, dá pra salvar, dá pra editar e, com um pouco de treino, dá até pra gostar.
Este artigo é um guia completo para você usar o Vim mesmo sem saber nada de Linux nem de terminal. A ideia é simples: tirar o clima de terror, explicar o que realmente causa confusão e te dar um conjunto de comandos que já resolvem 90% dos casos do dia a dia.
Vim não é difícil – ele é diferente
Por muitos, o terminal no Linux ainda é visto como um “bicho-papão”, e o Vim virou praticamente o mascote dessa fama. Mas a verdade é que o Vim não é intuitivo como um editor gráfico comum, ele não foi feito pra você abrir e sair digitando e justamente por isso ele é tão poderoso.
O Vim é um dos editores de texto mais flexíveis do mundo em linha de comando. Ele:
- É multiplataforma (Linux, BSD, macOS, Windows);
- Suporta escrita da direita para a esquerda;
- Tem tradução para dezenas de idiomas;
- Entende vários formatos de arquivo;
- Traz realce de sintaxe, macros, scripts, integração com comandos do sistema;
- Consegue até abrir arquivos comprimidos;
- E, acredite, tem até uma interface gráfica, o gVim.
Antes de ir para os comandos, vale entender de onde ele veio.
Do vi ao Vim (e ao NeoVim)
Tudo começa com o vi, lá nos anos 70, como editor padrão em sistemas Unix. Ele era simples, rápido e eficiente. Até hoje, praticamente toda distro Linux traz o vi (ou uma variante dele) pré-instalado.
Nos anos 90 surge o Vim – Vi IMproved (vi melhorado). A ideia foi pegar o conceito do vi e turbinar com mais atalhos, mais recursos, mais extensibilidade e mais conforto para programadores e administradores de sistema.
Mais recentemente, entrou em cena o NeoVim, um “fork” moderno do Vim, focado em suporte nativo a plugins avançados, integração com linguagens modernas (LSP, etc.) e uma arquitetura mais modular.
Pra aprender o básico, tudo o que você ver aqui sobre Vim serve como base também para o NeoVim.
O verdadeiro “segredo” do Vim: modos de operação
É aqui que muita gente tropeça: o Vim não é um editor de texto “normal”. Ele funciona em modos.
Quando você abre o Vim, vê o arquivo ocupando quase toda a tela e, lá embaixo, uma linha de status com o nome do arquivo. Se tentar sair digitando, as coisas parecem erradas: letras não aparecem, partes do texto somem, comandos estranhos acontecem.
Isso não é bug; é design.
Modo Normal (ou de Comando)
Assim que você abre o Vim, você está no Modo Normal. Nesse modo, as teclas não escrevem texto, elas enviam comandos: mover o cursor, apagar, copiar, colar, etc. É como se o teclado inteiro virasse um enorme painel de atalhos.

Você sabe que está no Modo Normal quando a linha de status só mostra o nome do arquivo ou coisas como 1,1 All, sem mensagens como — INSERT –.
No Modo Normal, você pode se mover com as setas do teclado ou usando:
- h → esquerda
- l → direita
- j → desce uma linha
- k → sobe uma linha
Isso foi pensado para você não precisar tirar as mãos da linha principal do teclado.
Modo de Inserção (edição de texto)
O que a maioria das pessoas espera de um editor é o que o Vim chama de Modo de Inserção: você digita, o texto aparece. Para entrar no Modo de Inserção, no Vim, você aperta i.
Ao fazer isso, deve aparecer -- INSERT -- (ou — INSERIR –) na parte de baixo da tela. Esse é o sinal de que agora você está escrevendo conteúdo. Para parar de escrever e voltar ao Modo Normal, você aperta Esc.Se você guardar só isso, já evita 90% do terror. Quer escrever? Aperta i. Terminou de digitar? Aperta Esc.

Linha de comandos do Vim: onde moram os “superpoderes”
Além dos modos Normal e Inserção, o Vim tem um “mini terminal” próprio: a linha de comandos. Para entrar nele, você precisa estar no Modo Normal e apertar Shift + :.
Vai aparecer : lá embaixo e um cursor piscando. A partir daí, você digita um comando (temos alguns exemplos mais adiante) e confirma com Enter.Se se arrepender no meio do caminho, é só apertar Esc para cancelar e voltar ao Modo Normal.

Navegação e edição básica: copiar, colar, apagar, desfazer
Agora que você já sabe alternar entre os diferentes modos, vamos aos comandos que realmente fazem o Vim ser útil. Entre no modo normal e teste os comando a seguir:
Copiar e colar
No Vim, copiar é chamado de yank e colar é put.
- Copiar uma linha inteira: yy
- Colar logo abaixo da linha atual: p
Apagar texto
- Apagar o caractere sob o cursor: x
- Apagar uma palavra a partir do cursor: dw
- Apagar uma linha inteira: dd
Desfazer alterações
O equivalente do “Ctrl+Z” é: u
Por padrão, o Vim guarda um histórico bem generoso de alterações (por volta de 1000 passos), o que te dá bastante margem pra errar à vontade.
Navegação
Alguns atalhos de movimentação que aceleram o trabalho:
- Ir para o início da linha atual: 0
- Ir para o final da linha atual: $
- Ir para a primeira linha do arquivo: gg
- Ir para a última linha: Shift+g
Se você trabalha com arquivos grandes, ver os números das linhas ajuda muito. Você pode ativar isso com :set nu E desativar com :set nonu.
Salvar o arquivo e sair do Vim
Chegamos à parte que mais rende memes. Tudo isso é feito pela linha de comandos (Shift + : no Modo Normal).
- Para salvar o arquivo atual, o comando é :w
- Enquanto para salvar como (criar outro arquivo com o conteúdo atual), use o comando :w novo_arquivo.txt
- Se você quer salvar e sair, o comando é :wq
- Para sair sem salvar (jogando fora as mudanças), use o comando :q!
Se você decorar só :wq e :q!, já se livra daquele medo de “e se eu ficar preso aqui pra sempre?”.
Busca e substituição
No Modo Normal, para procurar uma palavra no arquivo, use /palavra, aperte Enter e o Vim vai levar o cursor até a primeira ocorrência encontrada. Para ir para a próxima ocorrência, basta apertar n.
Substituir numa linha
Na linha de comandos, para substituir uma palavra na linha atual, use :s/antigo/novo. Isso altera apenas a primeira ocorrência nessa linha. Se quiser substituir todas as ocorrências da linha, pode acrescentar g no final :s/antigo/novo/g.
Substituir no arquivo inteiro
Para substituir uma palavra em todo o arquivo, use :%s/antigo/novo/g.
- % significa “todas as linhas”.
- g significa “global” (todas as ocorrências por linha).
Substituir em um intervalo de linhas
Se você quiser alterar apenas entre duas linhas específicas (por exemplo, da 10 até a 30) :10,30s/antigo/novo/g
- 10,30 define o intervalo de linhas;
- s é de “substitute”;
- g continua significando “todas as ocorrências” dentro de cada linha.
Isso dá uma ideia de como o Vim trata texto de forma precisa.
Regex, correção ortográfica e .vimrc: superpoderes do Vim
O Vim entende nativamente expressões regulares (regex). Isso quer dizer que você não precisa procurar apenas palavras exatas: pode procurar padrões, como:
- endereços de e-mail;
- datas;
- números de telefone;
- linhas que começam com certa palavra, etc.
É um assunto mais avançado, mas é bom saber que está lá, principalmente se você trabalha muito com logs, código ou grandes volumes de texto.
Correção ortográfica em português
Sim, o Vim também faz correção ortográfica. No Modo Normal, abra a linha de comandos e digite:
:set spell:set spelllang=pt_br
O Vim vai baixar o dicionário (se necessário) e começar a marcar palavras suspeitas.
- Para ver sugestões de correção para a palavra sob o cursor, o comando é z=
- Para marcar uma palavra como correta (adicioná-la ao dicionário pessoal), use zg
- Para ignorar uma palavra errada, é zw
Se quiser que a correção ortográfica fique sempre ativada, você pode colocar essas configurações no arquivo .vimrc, que fica no seu diretório HOME:
set spellset spelllang=pt_br
O .vimrc é o lugar onde você configura preferências, define atalhos personalizados, cria macros e muda cores, comportamento de recuo, etc.
Aprendendo Vim “brincando”
Você não precisa decorar tudo na marra. Existem formas bem mais divertidas de aprender:
- Vim Adventures – um jogo em que você aprende os comandos do Vim enquanto explora um mundo estilo RPG;
- Learn Vim (iggredible) – um guia muito bem organizado no GitHub, com passo a passo para sair do zero e realmente ficar produtivo;
- Outros sites interativos como o vim.is, e os próprios tutoriais oficiais do Vim (vimtutor no terminal) ajudam a fixar os conceitos. Se você digitar no terminal vimtutor vai abrir um tutorial interativo em português (em muitas distros), direto no próprio Vim.
E se eu quiser menus, janelas e mouse?
Se você curtir a filosofia do Vim, mas ainda sentir falta de uma interface gráfica, existe o gVim: é o Vim com janela, menus, botões e integração melhor com o ambiente gráfico, mas com o mesmo cérebro por trás.
É só procurar por gvim ou vim-gtk nos repositórios da sua distro e instalar.
Perca o medo e ganhe um aliado
O Vim assusta porque quebra a expectativa que a gente tem de um editor de texto: ele não começa no “modo de digitação”, ele exige que você entenda a ideia de modos, e isso é diferente do que a maioria das pessoas está acostumada.
Por outro lado, é justamente isso que faz dele um aliado poderoso:
- Você edita texto sem tirar as mãos do teclado;
- Navega com precisão;
- Automatiza padrões de edição;
- Ganha velocidade com o tempo.
Se você levar só estes pontos:
- Esc para voltar ao Modo Normal;
- i para começar a escrever;
- :w para salvar;
- :wq para salvar e sair;
- :q! para sair sem salvar;
…já deixa de ser “refém do Vim” e começa a usá-lo a seu favor.
A partir daí, é só prática, curiosidade e, se quiser, alguns minutinhos por dia no Vim Adventures ou no Learn-Vim para ir “entortando” a curva de aprendizado até ela ficar totalmente ao seu favor.
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