Durante o Ubuntu Summit 25.10, em Londres, uma das apresentações mais inesperadas veio de Antonio Salvemini, diretor de engenharia gráfica da Bolt Graphics. Em meio a palestras sobre infraestrutura em nuvem e automação, Salvemini apresentou a Zeus, uma nova linha de aceleradoras gráficas que promete repensar a maneira como produzimos imagens digitais. Ao contrário das GPUs tradicionais que dominam o mercado, o Zeus foi projetado desde o início com um propósito diferente: renderizar usando path tracing em tempo real, baseado em uma arquitetura RISC-V e com uma base de software Linux baseada em Ubuntu.
Uma mudança de paradigma
Desde os primeiros aceleradores gráficos, o papel da GPU tem evoluído em ondas. Nos anos 80 e 90, os chips gráficos se limitavam a copiar blocos de bits e desenhar linhas, sprites e fontes, aliviando a carga da CPU. Com a chegada do 3D programável, a GPU ganhou mais protagonismo, transformando o que antes era apenas aceleração visual em uma poderosa plataforma de processamento paralelo. Essa transição culminou no uso massivo de GPUs para cálculos científicos e inteligência artificial.
A Bolt, no entanto, aposta em um caminho alternativo. Em vez de focar em aprendizado de máquina ou em rasterização 3D, o Zeus é dedicado ao path tracing, uma técnica que simula o comportamento da luz de maneira mais realista do que o ray tracing convencional. Enquanto o ray tracing calcula um único caminho de luz até a câmera, o path tracing permite que os raios se espalhem aleatoriamente, refletindo e refratando em múltiplas direções até que a cena convirja para uma imagem iluminada de forma fisicamente precisa. Trata-se de uma abordagem probabilística, baseada em simulação de Monte Carlo, que até pouco tempo atrás exigia horas de processamento em render farms.
A inovação está em levar essa técnica para o tempo real, em hardware dedicado. O Zeus combina dezenas de núcleos RISC-V com extensões vetoriais e uma unidade própria de interseção de raios chamada Lightning, projetada para lidar com milhares de interações de luz. A promessa é entregar qualidade cinematográfica em uma fração do tempo que um renderizador comum exigiria.
RISC-V e Linux
A presença de núcleos RISC-V dentro da GPU é um dos aspectos mais fascinantes do projeto. Em vez de depender exclusivamente de controladores fixos e firmware proprietário, a Bolt optou por uma abordagem mais flexível: cada unidade Zeus roda um sistema Linux baseado em Ubuntu, responsável por gerenciar tarefas, filas de renderização, rede e comunicação com o host. Essa escolha transforma a GPU em um sistema distribuído autônomo, capaz de atuar tanto como acelerador quanto como nó de uma render farm.
O uso do Ubuntu não é apenas simbólico. Ele se conecta diretamente ao ecossistema de software aberto que vem ganhando força em estúdios e pipelines de cinema. Tecnologias como MaterialX, usada para descrever superfícies e materiais de forma padronizada, e Open Image Denoise, biblioteca da Intel para redução de ruído em renderizações Monte Carlo, fazem parte da pilha de software do Zeus. O objetivo é garantir compatibilidade com ferramentas profissionais como OpenMoonray, o renderizador open source da DreamWorks Animation, recentemente empacotado em formato Snap para o Ubuntu.
Uma GPU com ambição de supercomputador
Os números da especificação impressionam. O modelo de entrada, Zeus 1C, traz 32 GB de memória LPDDR5 e dois slots SODIMM para expansão em até 160 GB. O Zeus 2C dobra essa base, podendo chegar a 384 GB, enquanto o Zeus 4C, voltado a aplicações de cinema e engenharia avançada, promete suportar mais de 2 TB de memória total. Essa abundância não é luxo: o path tracing exige armazenar grandes volumes de dados, entre geometrias, texturas e árvores de aceleração. E quanto mais próximo esses dados estiverem do chip, menor a latência.
As imagens de protótipos mostradas no evento exibem conectores DisplayPort 2.1a, HDMI 2.1b e, curiosamente, portas Ethernet, reforçando a ideia de que o Zeus foi pensado para trabalhar em clusters. Segundo Salvemini, a empresa vem testando a arquitetura em FPGAs e deve migrar para ASICs dedicados, que podem alcançar desempenho até cem vezes superior aos protótipos atuais.
O analista Jon Peddie, especialista em GPUs, observou que a Bolt parece mirar em um nicho onde fotorrealismo e paralelismo massivo se encontram: o mercado de efeitos visuais, animação e visualização científica. Renderizar 120 quadros por segundo com path tracing completo é uma meta comercial que pode transformar pipelines inteiros da indústria cinematográfica.
A estratégia lembra a tentativa da Intel com o Xeon Phi, também conhecido como Larrabee, uma arquitetura de muitos núcleos x86 com vetores largos. Assim como o projeto da Bolt, o Larrabee nasceu da ideia de combinar programação familiar com processamento paralelo massivo. O produto acabou sendo descontinuado antes de atingir seu potencial, mas muitos engenheiros ainda o veem como uma visão adiantada demais para o seu tempo.
O Zeus parece aprender com essa história: aposta em abertura, em vez de isolamento. O uso de RISC-V e Linux torna o ambiente programável, auditável e adaptável, algo que o mercado de GPUs, cada vez mais fechado em ecossistemas proprietários, carece.Contribua para um Diolinux independente e crescente: seja membro Diolinux Play!