Quando pensamos em design gráfico, edição de imagens e produção visual profissional, é praticamente impossível não lembrar da Adobe. O Photoshop, por exemplo, já soma mais de 35 anos de mercado e se consolidou como uma das ferramentas mais influentes da história do design digital. Ele moldou fluxos de trabalho, criou padrões e se tornou praticamente um sinônimo de edição de imagens. Ainda assim, essa hegemonia nunca foi sinônimo de unanimidade.
Ao longo dos anos, muitos profissionais passaram a conviver com uma relação de amor e ódio com a Adobe. As críticas vão desde políticas agressivas de cobrança por assinatura, passando por decisões controversas de licenciamento, até reclamações sobre bugs recorrentes e o peso cada vez maior dos softwares. Mesmo quem depende dessas ferramentas no dia a dia frequentemente se pergunta se não existe uma alternativa mais leve, mais justa ou simplesmente mais moderna. Tentativas de substituir a Adobe nunca faltaram, especialmente no universo do software livre, com o GIMP sendo o exemplo mais conhecido. Apesar de extremamente poderoso e capaz em muitos cenários, o GIMP nunca conseguiu romper a barreira do nicho e competir de igual para igual no mercado profissional mais amplo.
Nos últimos anos, porém, esse cenário começou a mudar significativamente. Um dos movimentos mais impactantes veio do Canva, que em 2024 adquiriu a Serif, empresa responsável pela suíte Affinity. Essa compra, que inicialmente parecia apenas uma expansão de portfólio, revelou-se algo muito maior em 2025, quando a empresa tomou uma decisão ousada: transformar o Affinity versão 3 em uma aplicação essencialmente gratuita. Não se trata de uma gratuidade simbólica ou limitada, mas de um acesso real às ferramentas que antes exigiam compra individual.
É claro que existe uma ressalva importante. Recursos baseados em inteligência artificial continuam atrelados ao Canva Pro, o que faz sentido dentro do modelo de negócios da empresa. Ainda assim, todo o núcleo da suíte — incluindo edição de imagens, design vetorial e diagramação — passou a estar disponível sem custo, algo impensável poucos anos atrás para um software desse nível. Esse movimento muda completamente o jogo e coloca o Affinity como o primeiro concorrente verdadeiramente capaz de ameaçar o domínio da Adobe em décadas.
No entanto, para quem utiliza Linux como sistema operacional principal, surge um velho problema: o Affinity não possui uma versão nativa para Linux. Em outros tempos, isso poderia ser um fator decisivo para descartar o software. Hoje, porém, a realidade é diferente. O Wine já se consolidou como uma camada de compatibilidade extremamente madura, capaz de rodar aplicações complexas do Windows com desempenho e estabilidade surpreendentes. E é justamente aí que entra um projeto que vem chamando muita atenção da comunidade.
Apresentamos o AffinityOnLinux
O AffinityOnLinux é um projeto criado para facilitar ao máximo a vida de quem quer rodar a suíte Affinity no Linux sem precisar lidar com configurações manuais, ou ajustes complexos no Wine. Ele oferece uma solução relativamente simples e acessível até mesmo para usuários que não se consideram avançados no sistema. É uma questão de baixar, executar e usar.
Existem basicamente duas abordagens oferecidas pelo projeto. A mais simples, e também a mais indicada para a maioria das pessoas, é a versão em AppImage. Nesse formato, tudo vem praticamente pronto. O arquivo já inclui o Wine configurado e as dependências necessárias. Isso significa que o usuário não precisa instalar nada no sistema, nem se preocupar com versões de bibliotecas ou compatibilidade da distribuição. Basta baixar o AppImage, torná-lo executável e rodar.

Na maioria das distros, para tornar um AppImage num programa executável, basta clicar com o botão direito sobre o ícone, ir em propriedades e habilitar a opção Executável como programa
Essa abordagem tem um apelo ainda maior para quem utiliza distribuições que não estão oficialmente na lista de sistemas suportados pelo instalador em Python, como Linux Mint, Zorin OS, Ubuntu e derivados. Também é uma excelente opção para quem quer apenas testar o Affinity no Linux, fazer uma instalação portátil ou evitar qualquer modificação mais profunda no sistema. Como contrapartida, essa versão tem algumas limitações técnicas, como a ausência de suporte a OpenCL e VKD3D, o que pode impactar no desempenho em certos computadores.
Para quem busca algo mais avançado, o projeto também oferece um instalador em Python. Essa versão é indicada para distribuições suportadas oficialmente, como Fedora, Arch Linux e suas derivadas, openSUSE e algumas outras. Ela permite um controle maior sobre o ambiente, acesso às tecnologias gráficas mais recentes e uma integração mais profunda com o sistema. É uma opção ideal para usuários que pretendem usar o Affinity como ferramenta principal de trabalho no Linux.
Independentemente do método escolhido, o resultado final impressiona. O Affinity roda de forma fluida, com interface responsiva, atalhos de teclado funcionais e acesso às diferentes áreas do software, como edição de pixel, vetores, layout e até integração com recursos do Canva para quem possui uma assinatura.
O Linux como plataforma para designers
O impacto disso para o Linux desktop é enorme. Pela primeira vez, designers, ilustradores e profissionais criativos que dependem de ferramentas de populares em fluxos profissionais têm uma alternativa real, moderna e acessível rodando no Linux. Somado à decisão do Canva de liberar o Affinity gratuitamente, e a possibilidade de um port oficial, o cenário se torna ainda mais promissor.
Se você se interessa pelo futuro do design no Linux, vale ficar de olho nesse movimento. O Affinity pode não apenas mudar a relação de poder no mercado de software criativo, mas também representar um dos maiores impulsos já vistos para o uso do Linux no desktop profissional.
E se quiser se aprofundar ainda mais nesse tema, recentemente foi ao ar um episódio do Diocast discutindo exatamente o impacto do Affinity no Linux desktop. É uma conversa que vale muito a pena acompanhar.